Projeto Olhares em Foco – Diários de campo 18, 19, 20 e 21/03

Morador do Vale do Jequitinhonha aprendendo a fotografar  
Por meio da fotografia, 40 jovens em situação de vulnerabilidade social das regiões urbana e rural de Minas Gerais terão a oportunidade de reconstruirem e refletirem sobre a própria identidade.

O projeto “Olhares em Foco”, desenvolvido em parceria com Daniel Meirinho, jornalista, fotógrafo e doutorando em Comunicação e Ciências Sociais pela Universidade de Lisboa (Portugal) e também facilitador do projeto, propõe a reflexão identitária referente aos espaços de convivência e relações sociais destes jovens sob três aspectos: autobiografia, família e comunidade. A reflexão será realizada pelos jovens através da análise das imagens registradas nestes espaços e em debates promovidos pelo facilitador. Além de adquirirem conhecimentos sobre técnicas e recursos fotográficos, os jovens terão a oportunidade de mostrarem por meio de uma exposição ao ar livre o cotidiano da comunidade, através de seus olhares e suas escolhas. A primeira etapa do projeto já começou no Vale do Jequitinhonha. No mês de abril, é a vez jovens urbanos que vivem em Belo Horizonte revelarem seus olhares e suas imagens.

Breve descrição sobre a Comunidade Pega

A Comunidade da Pega é uma vila Quilombola que fica à 10km do município de Virgem da Lapa no Médio Jequitinhonha, norte do estado de Minas Gerais. Ela é constituída por escravos fugidos de uma fazenda que havia na outra margem do Rio Araçuaí. A comunidade Pega foi reconhecida como quilombola em 18 de maio de 2007 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Segundo a informação de uma moradora, dona Joana Leite de Souza Nascimento, de 88 anos e neta de escravos, quando os escravos fugiam pelo rio Araçuaí, os Capitães do Mato gritavam: pega… pega, e assim ficou conhecida a comunidade. Atualmente, a comunidade possui 50 família e grande parte vive da agricultura familiar e da migração para o corte de cana e a colheita do café. Alguns pais de família passam entre 8 à 10 meses fora de casa.

Diário de Campo 18/03/11  

Foto realizada por João morador do Vale do Jequitinhonha  



Hoje foi programada a primeira conversa com os jovens e a possibilidade de iniciarmos as oficinas. Segui para a Comunidade do Pega onde chegamos por volta das 14h eu, a Maristania, coordenadora Associação de Promoção Infantil Social e Comunitária – Aprisco e a educadora social Fátima, que me acompanhará durante todas as oficinas. O Telecentro estava lotado de jovens. Todos com idades entre 12 e 18 anos. Inicialmente a Aprisco havia mobilizado 15 jovens. No entanto, com o entusiasmo de alguns e sobre a proposta, a oficina começou com 20.

Iniciamos com uma dinâmica em que me apresentei e com um rolo de barbante que passei para outra pessoa da roda e esta tinha que dizer o seu nome, idade, ano na escola e onde morava. No fim da atividade, tínhamos uma teia que nos unia enquanto grupo com os mesmos interesses e, agora, com uma ligação. Iriamos juntos falar sobre as nossas expectativas em relação aos encontros.

Conversamos sobre a importância da comunicação para as relações humanas e foi feita uma dinâmica da Torre de Babel. Os jovens foram divididos em quatro grupos de cinco adolescentes e durante os quinze minutos seguintes só poderiam se comunicar com gestos e sons emitidos por animais. Essa dinâmica serviu para que os jovens entendam o quanto só usamos a comunicação verbal em nossas vidas e esquecemos outras formas de comunicação.

Discutimos a importância da comunicação ser limpa, clara e objetiva para que não hajam ruídos da informação e falhas no processo de emissão até a recepção da mensagem. Logo após falamos sobre os cinco sentidos e a visão como o sentido que exploraremos mais. Falamos sobre história da representação feita pela imagem, desde as pinturas rupestres, passando pela pintura, escultura e processos de mecanização de reprodução de imagem como xilogravura e litografara até a história da fotografia. Foi debatido questões sobre o mundo real e o mundo das ilusões, a importância da imagem como arquivo e memória.

No fim, após quase 4h de atividades, combinamos como seria a primeira saída fotográfica deles no dia seguinte. A saída seria para fotografar a Feira da Cidade de sábado de Virgem da Lapa. Combinamos às 8h do Sábado, em frente a Igreja Matriz de Virgem da Lapa. Como a proposta da oficina é captar as suas realidades e aprender a fotografar fotografando, a primeira saída será sem muitas informações técnicas para que eles aprendam a partir dos seus próprios erros.

 Diário de Campo 19/03/11


Dia-a-dia da comunidade no Vale do Jequitinhonha

Logo quando cheguei na Igreja Matriz, onde tínhamos marcado às 8h, avistei um grupo grande dos jovens sentados na escadaria. Estavam todos entusiasmados para pegarem nas câmeras. Os grupos foram definidos por três jovens por câmera e cada um poderia tirar apenas 20 fotografias. As escolhas teriam que ser priorizadas. Levariam com eles também uma caneta e uma ficha que preencheriam com o número da fotografia, o nome do fotógrafo e uma breve descrição da imagem que foi captada. Eles rodavam a Feira em busca de imagens e voltavam sempre para mostrarem as fotografias que haviam tirado. Após duas horas e meia todos haviam feito às suas imagens que veríamos no dia seguinte.

Diário de Campo 20/03/11 

Jovens do Vale do Jequitinhonha praticam a arte de fotografar

O encontro foi marcado às 13h30 no Telecentro. O combinado entre eu e os jovens foi que seria passado um filme. Era um domingo e faríamos assim uma atividade mais leve como um cinema na comunidade. O filme foi o documentário Nascidos em Bordéis (Born Into Brothel), premiado em festivais internacionais de cinema e organizações de promoção aos direitos humanos. O documentário foi realizado a partir do projeto Kids With Cameras, criado em 2002 pela fotógrafa norte-americana Zana Briski e dinamizado com crianças que viviam em Bordéis do bairro da Luz Vermelha, em Calcutá, na Índia. Antes de iniciarmos o filme, fiz uma apresentação e projetei para os jovens algumas fotografias que foram feitas no dia anterior na Feira. As escolhas foram discutidas entre cada um. Quem era cada personagem e porque haviam escolhido fotografar as diferentes cenas da Feira.

Após o filme, foi realizado um debate sobre as semelhanças existentes entre o projeto Kids With Cameras realizado na Índia e o que estávamos nos propondo a desenvolver com eles e junto à Comunidade da Pega. O filme proporcionou uma abertura de horizontes, de que o que estava a ser feito é possível, das dimensões que a proposta poderá vir a ter e que eles não estavam isolados no mundo fazendo uma proposta particular e pontual, outros jovens também estavam tentando mostrar as suas realidades através da fotografia.

O dia terminou com uma apresentação sobre técnicas de que revelam a harmonia da imagem fotográfica dentro do quadro: o enquadramento e às escolhas que poderão ser feitas para que aquele momento ou objeto possa ser captado e arquivado na memória fotográfica.

Os jovens levaram as máquinas fotográficas para casa e apesar de discutirmos algumas técnicas, ficou acordado que cada um teria um estilo livre de enquadramento e escolha fotográfica. Não definimos temas, mas pedi que fotografassem a comunidade deles e suas referências.

Diário de Campo 21/03/11

Momento captado por Alice, aluna da oficina Olhares em Foco 

Ao chegar na comunidade, os jovens estavam na rua ainda fotografando com as máquinas que foram dadas no dia anterior. Seguimos para o Telecentro e projetamos todas as imagens que eles haviam captado. Houve um debate sobre as suas escolhas e quais os resultados que esperavam com cada fotografia tirada. Belas imagens foram captadas da comunidade e momentos únicos onde só eles teriam acesso e só o olhar desses observaria a importância daquele momento captado.

Ao terminar de ver todas as fotografias, falamos um pouco mais sobre composição fotográfica, planos, luzes e ângulos. Como as nossas escolhas e a mensagem que pretendemos obter com cada imagem pode ser potencializada a partir de um plano e um ângulo que valorize mais a informação que será passada pela foto. Ao final, saímos para fotografar e aplicar os conhecimentos de diferentes tipos de luzes, planos e ângulos que haviam aprendido a pouco. Acompanhei a todos que ficaram pelas ruas da comunidade e fiquei tirando algumas dúvidas sobre o funcionamento das câmeras digitais e do assunto que lhes foi apresentado.

Por fim, todos levaram novamente às câmeras para casa com o objetivo de fotografarem suas famílias e o seu ambiente familiar. Dia 22 de março definiremos um nome para o Grupo e falaremos com eles um pouco mais sobre como eles querem que seja realizada a exposição fotográfica. Como é uma exposição com seus produtos, nada mais justo que eles definam como eles querem.

Daniel Meirinho

Acompanhe o diário de campo de Daniel Meirinho, sobre o Projeto Olhares em Foco!

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